Leila Gonzaga, pesquisadora da Fundação SEADE (Sistema Educacional de Análise de Dados), reforça que o abismo no mercado de trabalho vai além do baixo acesso às salas de aula. “A discussão da desigualdade começa com nossa História. Fora isso, tem a ascensão na carreira e a questão do preconceito. A ascensão do negro é muito diferente do não negro em uma empresa”, comenta.
Os dados do MTE também mostram isso. Ambientes de trabalho em que os subordinados são negros contam com uma maioria de profissionais brancos ocupando cargos de gerência. Se 60% dos serventes de obra são negros, 52% dos mestres de obra são brancos. Enquanto três quartos dos operadores de telemarketing são negros, 53% dos supervisores são brancos.
Salários menores em todo Brasil

A desigualdade entre brancos e negros persiste pelo Brasil afora, mas pode ser percebida de maneiras diferentes, pontuam os especialistas.
Na região metropolitana de São Paulo, o maior mercado de trabalho do país, negros compunham 38,3% da força de trabalho em 2016. Quando a vaga exigia ensino superior, eles até eram a maioria em tarefas de execução ou de apoio, mas ficavam atrás de brancos quando os cargos eram de direção, gerência e planejamento, aponta dados do SEADE.
Outra diferença é o salário. Em São Paulo, homens negros recebiam 67% do rendimento de um homem branco, enquanto mulheres negras recebiam ainda menos, 56,5%.
A desigualdade está presente até em regiões em que trabalhadores negros ocupam boa parte dos postos de trabalho, inclusive os de gerência. Na Bahia, 82% dos empregos são ocupados por negros, que também ocupam dois terços dos cargos de gerência. Ainda assim, negros tinham remuneração média de R$ 1.870, 69% dos R$ 2.687 recebidos, em médio, por brancos.
“Mesmo em estado ou região em que a população negra predomina, ela não consegue manter salários melhores”, diz Etkin, da SEI-BA.
A distorção permanece na análise por atividade econômica. Os negros recebem uma parcela da renda de brancos em todas as atividades econômicas, do comércio, em que a fatia é de 84%, aos serviços industriais de utilidade pública, em que recebem 54,7%.
Segundo os especialistas ouvidos pelo G1, essa desigualdade nasceu nos tempos de escravidão no Brasil, mas só tem condições de influenciar a dinâmica da sociedade brasileira ainda hoje devido ao racismo.
“A gente ainda guarda um retrato muito parecido com esse período pré-emancipação, pré-Lei Áurea nesse sentido de que a sociedade continua delegando as ocupações de maior exploração e de menor remuneração à população negra”, diz Etkin.
“Se a gente for falar de desigualdade, é óbvio que temos de analisar o período da escravidão, mas se concentrar só nisso é equivocado”, disse Marcelo Paixão, doutor em sociologia e professor assistente da Universidade de Austin especializado em estudos de raça e gênero. Ele lembra que os imigrantes europeus chegaram ao Brasil sem qualificação e trabalharam na agricultura, mas seus descendentes não essa condição não permaneceu para seus descendentes.
“O que perdura desde a escravidão é o racismo. Durante a escravidão, era considerado natural que as pessoas de pele escura fossem escravas. Não existe mais a figura do escravo, mas existem as posições mal remuneradas.”
Antônio Teixeira, pesquisador do Ipea, concorda. “Localizar esse problema no passado desresponsabiliza as gerações atuais pelo que elas continuam reproduzindo. A sociedade brasileira é profundamente racista em seu cotidiano.”

Geni conta que trabalhava limpando a escola ao lado de outras duas colegas brancas. Apesar de as três ocuparem a mesma função, os afazeres mais desagradáveis eram destinados a ela. Em duas oportunidades, alunos defecaram sobre a mesa de professores. Nas duas vezes, a diretora esperou Geni chegar para pedir que ela limpasse, ainda que suas colegas já estivessem trabalhando.
“Na última vez, eu chorei muito e falei que não haveria uma terceira, porque eu iria embora”, diz. “Não era por causa da minha condição de trabalho, mas por causa da minha cor”.
A filha dela, Natalie, também já enfrentou a discriminação racial. Quando estagiava em um fórum de São Paulo, ainda quando cursava o ensino médio, uma advogada se recusou a ser atendida por ela. “Ela disse que uma pessoa de cor já bastava [seu cliente].
“Dá muita vergonha. Não é algo que acontece quando ninguém está olhando. É na frente de todo mundo e ninguém fala nada.”
Os dados do Ministério do Trabalho mostram que, pelo menos no acesso a vagas com maior grau de instrução, a distância, ainda grande, entre negros e brancos tem se encurtado. Entre 2008 e 2016, aumentou em dez pontos percentuais a fatia de negros em vagas que pedem ensino superior.
Para muitos negros, conseguir um diploma de graduação exige um esforço imenso e não significa imediata ascensão na carreira. Dona Geni é um desses casos. Ela só foi concluir o ensino médio aos 40. Estudou com as mesmas crianças da escola em que trabalhava. À noite, depois de o expediente acabar, ela largava o avental, pegava os livros e sentava em uma das cadeiras que havia limpado durante o dia. Mas ela não parou aí.
“Para não perder tudo aquilo que eu tinha conquistado, eu comecei a estudar e fiz o ENEM. Tirei uma nota boa. Conseguiu Prouni e fiz Letras.” Hoje, aos 57 anos, ela faz uma pós-graduação em metodologia do ensino da língua portuguesa e literatura.
Rosana Aparecida da Silva, de 53 anos, é há 26 inspetora de alunos, um concurso público para formados no ensino médio. Manter as contas de casa pagas não é tarefa fácil e sempre foi uma prioridade em relação aos estudos. Tanto que ela só conseguiu concluir a graduação em gestão pública há três anos.
“A gente só tem oportunidade de trabalhar, mas não de estudar. Isso vem lá de trás. Tinha que andar com a carteira de trabalho no bolso porque, se a polícia parar, negro que não trabalha é vagabundo.”
A colega Danila de Abreu Virche Toledo, de 38 anos, teve de interromper a graduação de Fisioterapia aos 24 anos quando perdeu o emprego em um call center. “Tive que largar para ajudar em casa.”
Depois disso vieram o casamento e a gravidez. Com ainda menos dinheiro e pouco tempo, teve de adiar o retorno aos livros por mais de 10 anos. Só foi no começo de 2018 que voltou às salas de aula, mas em uma graduação diferente. Dessa vez, ela optou por contabilidade.
“Eu amo estudar. Se pudesse, terminava essa [faculdade] e já emendava em outra.”
G1